A vida das pessoas com deficiência visual, em meados da década de 70, era, pode-se dizer, de grande estagnação social. Afirma-se tal proposição porque as possibilidades de mudanças no status-quo eram bastante restritas, pois a Educação, propulsora da mobilidade dentro da sociedade, constituía-se privilégio de muito poucos. O trabalho exercido por alguns sujeitos nesta condição que, contando com a sorte, conseguiam colocação em fábricas da cidade, era repetitivo, sem perspectivas de ascensão. No entanto, a maioria destes indivíduos vivia em total marginalização, sem qualquer visibilidade, mendigando a atenção de quem passasse pelas ruas. Diz-se, pois, que naqueles tempos a deficiência visual, primária, analisando-se sob o ponto de vista histórico-cultural fundamentado por Vygotski, acabava por tornar-se secundária, diante das barreiras que precisavam ser enfrentadas socialmente.
Havia, porém, dentro deste segmento, um pequeno grupo que pôde galgar os degraus do conhecimento no que tange ao patrimônio produzido pela humanidade, percebendo que algo precisava ser pensado para que seus pares pudessem ser entendidos enquanto sujeitos de direitos. Tal entendimento levou estas pessoas a reunirem-se e buscar um modo de encontrar uma forma de mobilização. Após alguma discussão, foi possível perceber que o primeiro passo era a criação de um espaço que permitisse o encontro desta parcela da população, principalmente nos períodos de recesso escolar ou em finais de semana com o intuito de oportunizar-se momentos de lazer e convivência, bem como iniciar a troca de idéias acerca do que se poderia fazer para a mudança de concepção que se tinha em relação à deficiência visual, tanto por parte daqueles que a possuíam, quanto de seu entorno e da sociedade, de maneira geral. Criou-se, então, a Associação Catarinense para Integração do Cego, entidade que tinha como filosofia a participação total destas pessoas, as quais escreveriam sua história e da entidade que estava sendo fundada naquele momento.
Após determinado tempo, foi sendo possível visualizar qual seria a primeira medida a adotar-se para que alguma mudança ocorresse e iniciou-se então a realização de cursos profissionalizantes para aqueles que iam concluindo a educação básica, pois, deste modo, poderiam almejar algo diferente do que até então se apresentava e foram formados os primeiros massoterapêutas, os quais haviam ido para o Estado de Minas Gerais com este objetivo. Estes tornaram-se multiplicadores e consolidou-se neste Estado, uma profissão para esta categoria, que já podia descortinar novos horizontes.
Porém, os conflitos vão surgindo, as pessoas enquanto sujeitos particulares são diferentes e a história vai sendo escrita com as vozes daqueles que até aquele momento nada diziam. Novos cursos em áreas diversas foram sendo implantados e as possibilidades ampliavam-se.
A década de 80, dedicada às pessoas com deficiência, vem impregnada de um discurso de busca de independência e começa-se a observar que haviam questões básicas a serem resolvidas antes de se pensar em profissionalização e mercado de trabalho. Muitos daqueles que estavam inseridos no movimento associativista e que buscavam sua cidadania, não conseguiam ir sozinhos até o local onde aconteciam os cursos ou os encontros promovidos pela entidade.
Diante da situação, principia-se uma discussão que gera mudanças no conceito que se tinha do sujeito com deficiência, passando-se a percebê-lo como alguém inteiro, não sendo mais possível, diante das políticas nacionais que iam sendo implementadas e do quão ia acelerando-se a mudança dos paradigmas ligados à pessoa com deficiência, trabalhar apenas com a profissionalização, havendo a necessidade de se compreender este indivíduo na sua totalidade, buscando conhecer sua história de vida, seu potencial e suas limitações. Para tanto, foi criado o Departamento de Atendimento Especializado, atuando, então, na área de habilitação e reabilitação, tendo como foco principal a autonomia daqueles que procuravam a Associação, seja no que concerne a sua autoria de pensamento, seja no que se refere ao seu estar no mundo, movimentando-se em suas diversas instâncias.
Conforme nos mostra a história da Educação especial em Santa Catarina, nosso Estado jamais teve, em seu território, uma escola especializada para cegos, sendo estes, desde que se iniciou tal feito, matriculados no ensino regular, tendo acompanhamento nas chamadas Salas de Recursos ou ensino itinerante. O que se observa, então, é que tínhamos os cursos profissionalizantes, as pessoas estavam já com seu processo de habilitação/reabilitação concluídos, mas não havia facilidade em se conseguir vagas, tampouco ampliar o leque de formação em relação às profissões, pois o grau de escolaridade de boa parte deste segmento era muito baixo, o que impulsionou a avaliação para analisar de que forma se poderia motivar nossos usuários a não evadirem-se das escolas, buscando meios de prosseguirem sua trajetória acadêmica. Além disso, porque a história vai sendo escrita com os conflitos e estes geram a construção de novos conceitos, começava a vir à tona o discurso relativo à inclusão, que exigia que os espaços educacionais, restringindo aqui esta fala a este aspecto, pudessem adaptar-se para atenderem às pessoas com deficiência. Tais fatores fizeram com que se ampliassem os projetos do Departamento, buscando-se parcerias com unidades de educação básica e superior.
Com o advento da preocupação com os idosos, esta associação começou a receber pessoas que perdiam a visão em idade avançada, sendo necessário que se pensasse em ações que pudessem auxiliá-las a conviverem com a perda visual, fazendo com que percebessem que poderiam continuar atuando em seu entorno ativamente, voltando a exercer o papel que tinham no seu espaço familiar, o que muitas vezes era desqualificado com a aquisição da deficiência. Desta maneira passam a perceberem-se como pessoas produtivas tendo suas vidas qualificadas e resgatando sua auto-estima.
Hoje, o que se procura, em todos os setores da sociedade, é colocar em prática os preceitos existentes na lei de acessibilidade. No entanto, nestes trinta e sete anos de existência desta Associação, o que se percebia é que os adolescentes e adultos que vinham recebendo este ou aquele atendimento, muitas vezes, não tinham consciência do seu objetivo no mundo, tendo vivenciado uma história em que o que predominava era a incapacidade, o ser deficiente enquanto tendo perdas, sem que se considerasse as vias a serem exploradas para que se buscasse um desenvolvimento pleno. Por isso, neste constante expandir de idéias, foi implantado o projeto de atendimento às crianças de 0 a 6 anos, respeitando-se as particularidades destes sujeitos, acompanhando-os em toda a sua trajetória educacional e auxiliando seus familiares no processo de compreensão do diagnóstico deste indivíduo com deficiência, tendo como objetivo último formar um cidadão consciente de sua participação ativa no cenário social, agindo como alguém que faz suas escolhas e trilha seu caminho com segurança e autonomia.
Tem-se ciência de que nosso país é um dos mais ricos em matéria de legislação referente aos direitos das pessoas com deficiência, mas também somos sabedores que cotidianamente esta mesma legislação é descumprida, ficando o discurso restrito à letra morta da lei e entendemos que nossa missão, diante de todos os obstáculos que já transpusemos, é indicar aos nossos usuários, através de cada um dos projetos que foram sendo criados de acordo com as demandas advindas das mudanças sócio-políticas, caminhos a serem trilhados, dando-lhes a instrumentalização necessária para que possam alcançar sua cidadania plena, agindo enquanto seres atuantes, profissionais, pesquisadores, pensadores que idealizam mudanças e que mobilizam-se, juntamente com seus pares, para que tenham visibilidade e sejam compreendidos enquanto pessoas que têm a deficiência como uma de suas características, sendo esta algo a ser superado através das possibilidades que, a cada dia, vão ampliando-se e precisam ser conhecidas e compreendidas.